15 ago Entrevista a AnaVitória: “Acredito fortemente no poder curativo da arte.”

“Encruzilhada” estará em apresentação de 23 a 30 de setembro, na Galeria de Arte – Espaço Cultural Mercês, em Lisboa. Com criação, instalação e performance de AnaVitória, a Encruzilhada é um lugar de encontros para falar do feminino e das suas vozes ancestrais. Esta instauração Performativa é mais um reflexo da arte a que AnaVitória se dedica: a arte do encontro, da proximidade, da escuta sensível que desperta o mundo. 

Como é que define a sua arte?

Procuro a cada novo passo e projeto um modo cada vez melhor de aproximação com o outro. Uma escuta cada vez mais sensível. Um olhar mais apurado do mundo que me permita pela poesia sensibilizar a sua escuta e o seu olhar. Acredito fortemente no poder curativo da arte através da sensorialidade e do encontro. Não posso definir a minha arte e espero que nunca o faça, pois, assim, estarei sempre livre para me reinventar e para inventar novas possibilidades de vida!

 

 

O que é que está na origem da instalação performática “Encruzilhada”? 

A “Encruzilhada” dá seguimento a uma linha contínua de investigação em torno das questões pertinentes do universo feminino. Esta pesquisa tem vindo a ser desenvolvida desde 2000 e tem-se acentuado com o pensamento, com a prática de pesquisa autobiográfica e, também, através da necessidade de dar voz e visibilidade às questões do privado no público.

 

 

De que forma é que a “Encruzilhada” pode despertar a sociedade para os seus problemas e desafios?

Na medida em que o sujeito contemporâneo passa a assumir o seu corpo e a sua história como protagonistas da sociedade e da cultura em que vive. Quando a inclusão se dá e é considerada nas esferas socioculturais da comunidade, não há dúvida de que todos nos beneficiamos. O papel da mulher na construção das sociedades não pode ser negligenciado. Ainda que seja do âmbito do doméstico, do privado ou da célula familiar:  não serão estes o suporte e a âncora de toda sociedade que se deseja saudável?

 

 

A Encruzilhada é um espaço de encontro de vários caminhos? 

Sim, a Encruzilhada é um espaço concreto onde os caminhos se encontram. Mas não é apenas isto, é, também, um lugar mágico e sagrado para muitas culturas primordiais. É um lugar de escolha, de tomada de decisões, de encontros e desencontros. Neste sentido, quando elejo a encruzilhada para falar do feminino e das suas vozes ancestrais matrilineares, faço-o na tentativa de verificar o quanto herdamos destas ancestres femininas. De que forma é que reiteramos os seus comportamentos? De que forma é que os reafirmamos ou os alteramos? A Encruzilhada coloca a nu todas estas questões.

Neste trabalho, assume o papel de diferentes mulheres?

Estou no centro destes encontros com o meu corpo, mas atravessada por muitas vozes de mulheres que, para este projeto especificamente, me contaram as suas histórias afetivas e as suas memórias e, assim, incumbiram o meu corpo a dar voz, gesto e movimentos aos seus legados. Estes legados são familiares de todas nós mulheres.

 

 

A Encruzilhada tem estreia marcada, em Lisboa, no dia 23 de setembro, na Galeria de Arte – Espaço Cultural Mercês. De que forma é que estes espaços trazem outra dimensão para os seus trabalhos?

O meu trabalho já não é apresentado em palco há muitos anos. Desde 2009 que busco espaços alternativos para dar corpo e imersão aos meus trabalhos. Tenho trabalhado com a ideia do site-specif, porque acredito na força da imersão e da aproximação participativa do público. Já quebrei a quarta parede teatral há muito tempo! O outro, o espectador, é cúmplice direto do acontecimento ou do encontro que promovo. Esta proximidade é essencial. As minhas ações performativas estão cada vez mais na linha da performance ritual, do que na da performance teatral. Isto requer um outro terreno: mais “Terreiro” e mais próximo possível para que se possa explorar e interagir com o encontro.

O que é que as pessoas podem esperar desta apresentação?

As pessoas vão ser desafiadas a reconhecer os seus legados que acabam sempre por ser comuns. A apresentação aborda a questão dos comportamentos de género nas culturas impostas, nos modos como as sociedades determinam as condutas de vida e as suas segregações. As pessoas poderão, também, surpreender-se com singularidades, excecionalidades e desvios tão potentes que muitas vezes são capazes de mudar vidas. Verão a força arquetípica da mulher que, apesar de tanta opressão secular, vem resistindo diante de tantos predadores.

 

 

A arte por si criada tem sempre o objetivo de dar voz aos problemas do mundo?

A Arte é um caminho potente de reflexão crítica, de autoconhecimento, de cura, de possibilidades infinitas de reinvenção. A arte que pratico não tem sempre o objetivo de chamar a atenção para as questões do mundo, mas acaba por fazê-lo naturalmente, porque é no dia a dia de escuta e olhar sensível para o mundo que encontro forças para criar. A Arte não pode continuar capturada por instituições para ser do domínio de poucos e para poucos. A Arte e a criação são uma capacidade humana e que está em todos nós. O nosso maior desafio é justamente o de dar acesso a todos a usufruir da sua capacidade criativa e expressiva. “Viver em estado de Arte” de forma inventiva, pulsante e cheia de encantamento. Sem perder as nossas capacidades sensoriais que é o que nos faz crescer e sobreviver.

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