A bailarina metamorfoseia-se num corpo outro. Cadáver, feto, flor, pedra, árvore, inseto, ancestral. Para acolher este caosmos precisa torna-se vazio incandescente atravessado por forças e intensidades alheias. A bailarina manda sinais de uma pira funerária que já virou cinzas.
Mas meu corpo não é meu! Ele tem uma memória. Corpo geológico. Como acessar esta memória que os terremotos da vida jogaram de cima para baixo nas camadas mais profundas? Envelhece invisivelmente a cada segundo. Não os desejos. Nosso corpo que não é nosso nos acompanha de longe carregando nossa vida que não é nossa. Passa sempre ao lado, na periferia desfocada do campo de visão.

A bailarina não dança. Sonha com um corpo outro. Fazemos parte deste sonho e no final não sabemos mais se ela sonhou de nós ou se somos bailarinos sonhando. Agora só tem um corpo dilatado ao espaço todo. E, de repente, estamos respirando o mesmo ar. Respiramos todos o mesmo ar sempre. Boca a boca. Corpo a corpo. Apneia da vida.
O que está em jogo no acontecimento performativo onde vida e arte se dobram e se tocam no justo espaço da dança? O corpo próprio? E que corpo é este?