No recente trabalho de Ana Vitória, onde ela amplia o entendimento sobre a presença corpórea no mundo através das relações de sua sensibilidade com o raciocínio plástico de Lygia Clark, vemos um corpo – o seu – que se esmera no detalhamento sutil de movimentos, só por ela definidos, que revelam a maestria e a autenticidade do seu fazer. Em 3 momentos do espetáculo ela impregna pontualmente o lugar com sua eficácia poética:
-Ao arrastar-se do círculo à cadeira: só Ana Vitória sabe realizar aquele
deslocamento, no desdobrar miúdo e tenso da musculatura de pernas e
braços ritmados pela sua paixão pelo dançar.
-Ao fazer a cadeira girar, num esforço de quase girar o mundo.
-Ao encerrar sua presença em cena, no desalinho leve e suave de braços que se elevam e desfazem a matéria.
Somente sua expressão os permite existir: estes 3 instantes inconfundíveis de sua fala.
Tudo mais, que reflete suas escolhas e que são tão bem idealizados e realizados pelos atributos do som, da luz e dos artefatos cênicos, se mostra como um vasto campo de circunstâncias que lá estão para
acolher o único e o inusitado: o vigor adestrado do corpo que, físico, torna-se símbolo, logo linguagem.
Passamos então, de uma oposição estática da forma e da matéria a uma zona de dimensão média, energética, molecular, que permite pensar uma matéria energética em movimento, portadora de singularidade ou hecceidade, que são formas implícitas que se combinam com processos de deformações.
A arte realizada neste trabalho de Ana consiste em seguir os fluxos da matéria, consiste em ofertar à sensação a possibilidade de captar as forças invisíveis, mostrar o momento de metamorfose. Ao buscar no corpo a marca do tempo, a artista revela que a eternidade, como matéria em movimento e não como vazio transcendente, aponta para a vida como obra de arte, massa sensorial produto de experimentação, onde memória e desejo compõem as atualizações existenciais.
Hélia Borges
“Afinal o que há por trás da coisa corporal ?”
Estréia nacional 2010
Instalação Performática de ANA VITÓRIA
Criação e Performance – Ana Vitória
Ambientação – Sérgio Marimba
Desenho de Luz – Milton Giglio
Roupa Band-aid – Cláudia Diniz
Confeção – Lenny
Visagismo – Rose Verçosa
Consultoria Teatral – Suzana Saldanha
Trilha Sonora organizada por Ana Vitória -com Smetak, Luiz
Gonzaga, Armand Amar e Bizet.
Desenho de som – Michael Sexauer
Fotografia – Renato Mangolin
Vídeo Dança – Ana Vitória e Rodrigo Godim
Programação Visual – Vanderlei Lopes e Karin Palhano
Assessoria de Comunicação – Meio e Imagem
Produção – Neco FX
Realização – Iroco Produções Artísticas
www.anavitoria.com.br
À Minha Mãe Edvalda Bomfim
Amin Murad, Angel Vianna, Adriana Rattes, Aninha Franco, Alessandra Clark, Andrea Chiessorin, Associação Cultural “O Mundo de Lygia Clark”, Eva Doris, Glória Maria, Helena Lustosa, Ilka Nazaré, Jom Tob Azulay, Karen Brustolin, Kika Freire, Lúcia Rodrigues, Lenny Niemeyer, Maurício Agnelli, Maria Alves de Lima, Marcelle Piton, Suely Rolnik, Suzy Muniz e Silvia Soter.
* título autorizado do pela autora Suely Rolnik do seu texto “Afinal o que há por trás da coisa corporal?”, publicado no catálogo Lygia Clark, da obra ao acontecimento. Somos o molde – a voce cabe o sopro (editado em colaboração com Corinne Diserens para acompanhar a exposição no Musée de Beaux Arts de Nantes e na Pinacoteca do Estado de São Paulo).